O Protagonismo e a Liderança Indígena Feminina: A Inspiradora História da Cacica Marciane

Na profunda região do Alto Solimões, na Amazônia, onde as águas dos rios entrelaçam comunidades e culturas, e as fronteiras do Brasil tocam a Colômbia e o Peru, emergem histórias de resistência, liderança e protagonismo indígena feminino. Uma dessas histórias é a da Marciane, uma mulher de Santo Antônio do Içá, cuja trajetória é testemunho do poder da união, da herança cultural e da luta constante contra o preconceito e as adversidades de toda sorte.

Autora: Ivi Pauli

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Uma Comunidade Rica em Cultura e História

Marciane pertence à etnia Kokama e lidera, como Cacica, uma comunidade indígena que vive em contexto urbano na pequena cidade de Santo Antônio do Içá. Situada às margens do rio Solimões, essa cidade é um verdadeiro mosaico de culturas e histórias. Co-habitando esse território estão diversas etnias indígenas, incluindo os Tikuna, Kaixana e os Kambeba-Omágua. As ruas tranquilas e a natureza exuberante ao redor formam o cenário perfeito para uma comunidade que busca se reconectar com suas raízes e tradições. 

A Conquista de Uma Comunidade Unida

A liderança de Marciane é profundamente marcada por sua capacidade de agregar pessoas e fortalecer laços. Sua visão e determinação são inspiradoras, evidenciando que, quando uma comunidade se une sob uma liderança forte e empática, as autoridades reconhecem e respondem à força coletiva. Em uma de suas conquistas mais recentes, ela mobilizou sua comunidade para garantir a construção imediata de uma rua que estava programada, como tantas outras coisas, para meses depois. Graças ao apoio dos moradores, o projeto foi concluído em tempo recorde para a região e deixou a comunidade impressionada.

Desafios e Superações

Mas nem sempre foi assim. Sua liderança, agora amplamente aceita pela comunidade, foi conquistada com muita luta e trabalho constante. A vida de Marciane ilustra vividamente os desafios enfrentados pelas mulheres indígenas em contextos urbanos e rurais, onde o preconceito e a desconfiança são barreiras persistentes.

“No contexto urbano, os indígenas sofrem ainda mais com o preconceito e frequentemente são vistos com desconfiança. Até mesmo entre as próprias comunidades, há uma desvalorização das que não falam a língua ancestral, então estamos buscando esse resgate cultural também.”

Cacica Marciane

Apesar desses obstáculos, Marciane e outras mulheres líderes continuam a lutar pelos direitos e pelo bem-estar de suas comunidades. “Nosso conhecimento é forjado na luta diária,” afirma ela. Essa dedicação se traduz em conquistas tangíveis, como o acesso a serviços básicos, além da promoção e valorização da cultura e identidade indígena nas escolas locais.

A Importância da União e do Apoio Mútuo

Marciane sabe que o trabalho em equipe e o apoio mútuo são fundamentais para o sucesso. Ela sonha com a união das mulheres em sua comunidade para fortalecer ainda mais suas ações. “Se nos juntarmos, seremos mais fortes, mais resistentes,” diz. 

Como ação concreta, a Cacica está empenhada em fortalecer a veia artística e o artesanato indígena das mulheres da sua comunidade, muitas das quais são mães solteiras que precisam sustentar a si e aos filhos. Dessa maneira, ela contribui para o fortalecimento e a valorização do papel de outras mulheres na comunidade em que vivem, ao mesmo tempo em que incentiva o resgate, a preservação e o reconhecimento das tradições culturais de seu povo Kokama.

Essa visão de colaboração é um farol para muitas outras lideranças femininas que buscam fazer a diferença em seus territórios. A experiência de Marciane com a Rede de Mulheres Indígenas do Amazonas, Makira-e’ta, tem sido fundamental para promover a colaboração e a troca de conhecimentos. Marciane relata que sente uma segurança enorme ao estar cercada e fortalecida por outras mulheres indígenas. Essa visão de colaboração é um farol para muitas outras lideranças femininas que buscam fazer a diferença em seus territórios.

“Em 2019, eu fui convocada pela Makira-e’ta para ir à Brasília, na Marcha das Mulheres. Foi minha primeira vez viajando de avião e eu morria de medo, não sabia nem como fazer check-in. Mas fui com outras colegas e começamos a trocar ideias e nos aliar. Foi uma experiência muito emocionante ver tantos povos indígenas unidos. Conheci outros povos, conversei, participei dos rituais deles. Foi uma experiência marcante que vou levar para a vida toda.”

Cacica Marciane

Sua história não é apenas sobre superação pessoal, mas também sobre a evolução e o empoderamento de toda uma comunidade. Mulheres como Marciane estão quebrando barreiras, liderando com coragem e inspirando novas gerações a abraçar suas identidades e ocuparem os seus lugares.

A Relação com o Avô e o Incentivo à Liderança

A história de Marciane é profundamente entrelaçada com a de seu avô, um respeitado rezador de sua comunidade Kokama. Desde cedo, ele a incentivou a aprender e preservar os conhecimentos tradicionais. “Meu avô sempre dizia: ‘Minha filha, tudo o que eu sei, quero passar para ti,'” lembra Marciane com carinho. A sabedoria e os ensinamentos do avô foram cruciais para sua formação e amadurecimento como líder nata.

Após a morte do avô em 2019, Marciane foi escolhida por sua família para assumir o papel de cacica, um reconhecimento de sua dedicação e capacidade. No entanto, a jornada não foi fácil. Marciane enfrentou discriminação e resistência, sendo chamada de “cacica falsa” por membros da própria família. Apesar das adversidades, ela nunca desistiu. Com resiliência e sabedoria, conquistou o respeito de sua comunidade, tornando-se uma figura reconhecida não só localmente, mas também em outros municípios e na capital Manaus.

Hoje, Marciane observa essa curiosidade e aptidão para a liderança em seu filho mais novo, que tem 9 anos de idade. “Onde eu vou, ele vai me acompanhando. ‘Quero ser Cacique, igual a mamãe’, disse ele à professora, quando ela perguntou o que ele quer ser na vida e ela me contou”, relata Marciane com orgulho.

Conclusão

O protagonismo e a liderança indígena feminina, exemplificados por Marciane, são fundamentais para a transformação social e cultural das comunidades indígenas. Essas mulheres, com suas histórias de resistência e sucesso, mostram que é possível vencer o preconceito e as dificuldades com união, determinação e sabedoria. O legado de Marciane e outras líderes femininas indígenas continua a inspirar e a moldar um futuro onde o respeito à diversidade cultural é um pilar essencial.

As histórias de vida de Marciane e de tantas outras líderes indígenas são verdadeiras lições de perseverança e amor pela comunidade. Elas nos lembram da importância de reconhecer e apoiar as vozes que, muitas vezes, são silenciadas, mas que têm o poder de transformar o mundo à sua volta.

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